As cidades dos Estados Unidos estão sujas de raiva e fúria. Mataram um negro na rua. Chamava-se George Floyd e o polícia que o matou desconfiou de que ele tinha usado uma nova de vinte dólares falsa. Para imobilizar suspeitos os polícias devem colocar o joelho sobre as costas mas o joelho deste polícia ficou a esmagar o pescoço deste negro, durante oito minutos, enquanto ele gemia I can't breathe.

A fúria que daí se soltou agora inebria muito todas as pessoas que estão nas ruas, na nuvem de fumo juntam-se uma agastada suplica por justiça e o assalto que a violência faz às vozes quando escorregam desespero abaixo.

Nunca entendi o racismo. Esta frase parece um joguete moral, o pensamento axiomático que dita que entre pessoas que pareçam diferentes não haverá discriminação que lhes possa ser justa. Mas são os detalhes do fundamento que eu não entendo, a substância da mancha pestilenta que se agarra teimosamente às fibras da sociedade. A aprendizagem dessa insídia que vai roendo no hospedeiro a ideia do nojo pela diferença parece-me morosa e complexa, os poros onde se entranha estão debaixo de coisas que não alcanço, coisas que me parecem caquécticas, maneiras de exercer poder que se agarram insistentemente a um sítio de onde já deviam ter sido afastadas.

Quando estive na América vi a cor por baixo do andrajo que varria as ruas de São Francisco e a cor de quem se espraiava pelo sol domingueiro na colina do Dolores Park. Vi o racismo e vi que ninguém estava a ser racista. Aprende-se a viver com a nódoa que se fundou há muito tempo. Não se olha tanto para lá, cobre-se com uma esmola costumeira, mais vale assim para não ficarmos consumidos. Temos os nossos próprios problemas afinal e no final do dia cada um é um apenas, mais uma vítima da maldita singularidade.

Nos últimos dois minutos George Floyd estava já inanimado. O joelho do seu carrasco permaneceu afundado. Uma pessoa a morrer a meio do dia de Minneapolis, debaixo de quem o jurou proteger, rodeado de telemóveis que o filmavam, agonizando lentamente até ao último sopro. E continua a haver o vírus, imagino que pouco se importando com a justiça do clamor que vai na multidão.

02/06/2020