Parecia inevitável e acabaram por decidir esta semana. Os festivais de verão estão proibidos este ano. Não ver o habitual rancho que se arrasta de recinto em recinto açambarcando brindes merdosos e fotografando cada segundo daquela aparentemente transcendental experiência não me deixa grande amargo. Mas o ano passado vi a Patti Smith em Paredes de Coura e, desde que depois da última música me pus a vencer o declive, penso em voltar a todo aquele verde, à frescura da água sombria, ao eriçar nocturno da nuca quando no palco vemos uma figura que já nem pensamos com as regras de um mundo desvirtuoso e humano. Nessa noite escrevi:

 O velho anjo enrugado desceu
 a onda da copa das árvores
 e mostrou-se vivíssima à multidão
 que crescia no regaço fresco
 do fim de tarde minhoto
 Gritou do fundo da colina as
 coisas da liberdade e da força
 iconoclasta que as juventudes têm
 Disse algumas memórias de décadas
 coloridas da cidade de Nova-Iorque
 de punk jovem coisas que eu já lhe li
 e agora choro a recordação de viva voz
 aqui na floresta tão longe do betão choro
 miudinho muito trocado quase telúrico
 Foi a noite mais bonita das de Agosto

Este ano haveria o punk novo e rosnado dos IDLES. A irascibilidade beliscou raramente as coisas muito grandes e mais fraca fica perante a microscopia do actual inimigo. Não estará o punk morto mas o seu estado de saúde é dos que agora menos importa. Ele e outros estilos mais ou menos moribundos têm todos que esperar por explicitas autorizações, desinfecções minuciosas de tudo quanto se use para produzir som. Que raio de vontade haverá para se gritar de amor à anarquia?

Decretaram também que não é preciso estar já em estado de emergência e agora basta o estado de calamidade pública. Ver esta nova condição nas parangonas deixou-me sem certeza sobre o que fazer à tranca da porta de entrada, mas tudo não passou da minha típica ignorância face ao jargão jurídico com que se polvilham as coisas muito oficiais. Possa eu ler um desses decretos de uma ponta à outra se mais uma alma rasa como a minha não achar que a calamidade faz mais temor que a emergência.

12/05/2020